A Guarda da Caridade: Por Que Não Devemos "Pôr na Berlinda" Nossos Irmãos
Um apelo direto de São Josemaria Escrivá para a sua vida hoje.
Você já sentiu aquela ponta de satisfação, talvez um pouco culpada, ao contar a alguém sobre o deslize, o erro ou a falha de um companheiro de caminhada, de um colega de trabalho ou, pior ainda, de um irmão de fé? Seja um comentário feito em tom de fofoca, de "compartilhamento de preocupação", ou até mesmo sob o disfarce de uma oração mal-intencionada.
São Josemaria Escrivá, mestre da vida interior e fundador do Opus Dei, nos oferece um corretivo de pai, um puxão de orelha de amigo que nos ama:
"Olha, meu filho: sê um pouco menos ingênuo (ainda que sejas muito criança, e mesmo por o seres diante de Deus), e não 'ponhas na berlinda', diante de estranhos, os teus irmãos."
É uma frase rápida, direta, com aquela energia característica de quem nos quer santos, e santos de verdade, agora. Mas o que significa, no fundo, este imperativo espiritual, e por que ele é tão crucial para quem busca a santidade no meio do mundo?
A Falsa Ingenuidade e o Chamado à Maturidade
O Santo de Castela nos chama a ser "um pouco menos ingênuos". Esta não é uma crítica à simplicidade da alma, que é virtude preciosa. É, sim, um alerta contra a ingenuidade voluntária – aquela desculpa que usamos para justificar a falta de caridade: "Ah, eu só comentei...", "Eu pensei que seria bom ele saber...", "Foi sem querer...".
São Josemaria nos lembra que, embora sejamos "crianças diante de Deus" – dependentes, amados incondicionalmente –, isso não nos dá licença para sermos imaturos ou irresponsáveis em relação à honra e à fama do próximo.
Pelo contrário, nossa filiação divina exige de nós a máxima maturidade no amor. Se Deus nos ama em nossa fragilidade, como podemos ser tão rápidos em expor a fragilidade do outro a "estranhos"?
O Perigo de "Pôr na Berlinda"
A expressão "pôr na berlinda" é forte. Significa expor, colocar em evidência para julgamento, ridicularização ou crítica pública. É levantar a cortina sobre a miséria alheia.
E note bem: ele fala em fazer isso "diante de estranhos".
• Não é a correção fraterna feita em segredo e com amor.
• Não é a consulta prudente a um diretor espiritual ou a um superior legítimo.
• É a conversa leviana, o juízo temerário compartilhado no café, a crítica velada no grupo de WhatsApp, a história recontada que pinta mal a reputação de um irmão.
Por que "estranhos"? Porque quem não conhece a história completa (o contexto), o coração da pessoa (a intenção), e o amor de Deus agindo ali (a graça), só pode emitir um veredito superficial, frio e quase sempre injusto. E esse veredito se espalha como fogo, destruindo a caridade, a confiança e, muitas vezes, a chance de recuperação daquele que errou.
O Escudo da Caridade e a Identidade de Família
Somos irmãos. Esta é a nossa identidade mais profunda, forjada no Batismo e alimentada na Eucaristia. E o que faz uma família de verdade? Guarda os seus segredos, defende os seus membros.
Quando você "põe na berlinda" um irmão, você:
1. Quebra a lealdade familiar: Você se coloca como juiz e carrasco, não como protetor.
2. Destrói a Caridade: O amor, ensina São Paulo, “tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Cor 13,7). Falar mal, por outro lado, nada desculpa, nada crê, nada espera e nada suporta do outro.
3. Demonstra Soberba Oculta: No fundo, ao expor o erro do outro, queremos nos destacar como melhores, mais prudentes, mais santos. É uma forma sutil, mas perigosa, de orgulho.
A Resolução Persuadir a Alma
Se o seu objetivo é a santidade – e todo cristão é chamado a ela – então este texto de Josemaria é um mandamento para a sua vida: Proteja a marca dos seus irmãos. A marca é a sua reputação, a sua honra, a sua dignidade.
Como aplicar isso hoje?
• Piedosa Mordaça: Na dúvida sobre falar ou calar sobre o erro alheio, escolha o silêncio. Um ato de caridade muitas vezes é uma omissão: a omissão de um comentário desnecessário.
• Oração em Vez de Fofoca: Se a falha do seu irmão lhe causa dor, leve-a diretamente a Deus, no segredo do seu coração, e reze por ele. A intercessão é a forma mais alta e eficaz de "falar" sobre o próximo.
• Conversa Direta e Caridosa: Se a situação é grave e exige intervenção, vá diretamente ao irmão ("a sós", como ensina Jesus em Mt 18,15) ou à autoridade competente. Não use terceiros para criar uma corte de julgamento.
Viva a Lógica de Cristo
Lembre-se do maior exemplo de caridade: Jesus Cristo. Ele viu a nossa miséria, o nosso pecado, a nossa falha total. E, em vez de "nos pôr na berlinda" diante dos Anjos e dos "estranhos" do Universo, Ele tomou nossa berlinda para Si, subindo à Cruz e carregando o peso da nossa vergonha.
O cristão é aquele que se esforça para viver a lógica de Cristo. E a lógica de Cristo é a da caridade que cobre a multidão de pecados (1 Pedro 4,8), não a que a expõe.
Seja menos ingênuo, meu filho, minha filha. Seja mais caridoso. Guarde o tesouro da honra de seus irmãos. Esta é a verdadeira medida da sua maturidade diante de Deus.
Você tem usado o seu tempo e suas palavras para construir ou para demolir a fama de quem está ao seu lado? A reflexão de São Josemaria nos convida a uma conversão imediata. Que tal começar este caminho de caridade, hoje, oferecendo um dia de silêncio sobre as falhas alheias?
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